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22 fevereiro, 2011

ARTISTAS CRIAM ARTE, E MORREM EM GESTÕES CULTURAIS.

Vauluizo Bezerra
Eu entro nessa discussão para acabar com os equívocos movidos por ingenuidades e mistificações. É preciso lembrar que a condição de ser artistas envolve um PATHOS, uma morfologia psicológica que compõe a grande maioria dos artistas, não que sejamos loucos ou potenciais PSICOS, (ou sim, ou sim, parafraseando Caetano Veloso em negativo). Nossa função no mundo é operar com códigos que nos permitem às pessoas que trabalham noutra ordem cotidiana, abrimos sensos para elas e para nós, estendemos a compreensão sensível do mundo, pelas subjetividades e pela articulação intelectual que cada um possui em níveis diferentes. O sol está para todos, mas o conforto das sombras depende dos modos como operam um conjunto de fatores, seja pela fatoração interna na gestão de sua obra, seja pelo bom senso, seja pelas diferentes acepções éticas que cada um saca de seu bornal de surpresas. Essa novidade de indicar Leonel Mattos como diretor de instituição é primeiro, uma tremenda sacanagem com um homem que é meu amigo, conheço-o muito bem, seria trágico para a vida dele como artista ter que passar quatro anos lidando com processos, administrando coisas que ele não tem particularidades que é gestão, uma coisa é organizar uma série de exposições criticáveis em suas modelações conceituais, outra é pensar e gerir num nível macro. Leonel é um fazedor intuitivo, o que não é um defeito, é uma qualidade enquanto artista, mas se o enviamos ao cadafalso das gestões culturais será um completo desastre. Impossível ver Leonel lidando com linguagens que nada significarão para ele, porque ele reconhece o que se processa na Bahia, e um Museu ou qualquer instituição que venha a ser, exige pelas suas condições de aberturas para a exterioridade que necessita de um jogo de conhecimento que ele não dispõe, exigi-se de um crítico, um curador tal conhecimento que primeiro passa pela consciência do que ocorre no mundo com um aparato de conhecimento “científico”, para isso alguém que deve gerenciar o MAM por exemplo, tem que ser municiado por uma noção teórica da arte, por um saber modelador de fatores que elucidam as conjunções contemporâneas, é algo complexo que nem todo artista dispõe, e os que dispõem sabem dos sacrifícios que sua condição de artista sofrerá. Cito o caso de Zivé Giudice, que dirigiu o MAM por quatro anos e levou vinte anos para recuperar seu status qualitativo, que ocorre agora, somente agora decorrido quase trinta anos. Cito também o caso emblemático de Emanuel Araújo, que se tornou um dos mais eficientes e festejados curadores brasileiros. Pergunto: o que aconteceu com sua obra? Ficou refém de adornos enganosos, uma obra de anos sacrificada pela desarticulação de pensamento à própria obra por conta de seu distanciamento em relação à mesma. Um artista caracterizado pelo que um crítico americano chamou de Geometria Afetiva, eivada de proposições identitária em sua estrutura, visível como obra planejada sob o viço da africanidade pelos auspícios de suas disposições geométricas evocativas do cubismo e das recentes conquistas históricas do concretismo/neo-concretismo, uma fala afro-baiana sofisticada e bem sucedida, se vê hoje pateticamente enfeitadas de conchas em paráfrases estranhíssimas do religioso-artista Mestre Didi, que perdoem os seus construtores, o considero uma tremenda mistificação que serve à nossa ignorância pela arte e o olhar desavisado de estrangeiros duvidosos. Porque não se discute na Bahia a obra de outro sacerdote que articulou soberbamente a arte ocidental e a iconografia afro-baiana como Rubem Valentim? A Bahia deve a Rubem Valentim no mínimo uma festa de largo pelo que soube processar arrematando o saber estruturalista e seu envolvimento de corpo e alma com os símbolos e a religião afro-baiana. Falar ainda de Gestores Artistas é obrigado a citar outras pessoas que me são caro como amigos, e também de formas diferentes sacrificados pelos seus envolvimentos com a política cultural. Juarez Paraíso teve seu gênio potencial tolhido pela política. É certo que ajudou a construir uma mentalidade baiana pelos idos dos 60, 70, mas uma mentalidade que por muitos motivos, inclusive a regência militar, nos jogou numa condição suburbana, sua inclinação xenófoba a teóricos cariocas como Paulo Sergio Duarte e Ronaldo Brito, foi um desserviço para nossa amplitude. Porque ele disse certa vez, "Deixem os sábios cariocas no lugar que lhes pertencem". Chico Liberato em duas ou três gestões foi mais aberto, nos trouxe Frederico de Moraes, o próprio Paulo Sergio Duarte, tentou trazer a rica experiência do Núcleo de Arte Contemporânea da Paraíba fundada por P. Sergio Duarte, Raul Córdula e Antônio Dias, nos trouxe de Brasília
Rubem Valentim para falar de sua obra em produtivas conferencias no MAM. Produziu a Exposição Cadastro, e algumas mostras que setorizavam conceitos da produção baiana na que considero a mais rica e ilustrativa gestão de um artista que era subsidiado pela inteligência do arquiteto Pasqualino Magnavita, ainda hoje com uma admirável lucidez com seus mais de 80 anos. Mas pergunto, onde foi parar o artista Chico Liberato, fora suas esporádicas animações? Sacrificado em produções cuja potencia pálida pelo distanciamento que produzir arte requer. Gestor de Museu jamais deve cair em mãos de artistas tão pouco Museólogos que são destituídos das noções específicas que lidar com o meio de arte em sua completude requer. A direção de um Museu deve ser exercida por um profissional que tenha em seu currículo experiência acadêmica e vivencial com os problemas da arte, conhecimento de gestão na especificidade que os problemas da arte e produção, fruição, expositividade, interatividade com outros meios, etc. Por isso sou a favor de Comissões Curatoriais como forma de descentralizar decisões nas mãos de um único gestor. Um Museu passa pela idéia de se criar discursos efetivos e articulados em espraiamentos de interlocuções com o resto do Brasil e do mundo. Pensar as especificidades da cidade e agir com pertinência às necessidades comunitárias, abrindo-as para a educação, desenvolvendo novas gerações abertas às complexidades do mundo. Ainda ontem à noite, conversava com Almandrade, pessoa que tem uma produção reflexiva sobre tais questões ao menos do ponto de vista teórico, pensa bem, e é um portador de idéias que devem ser aproveitadas no mínimo como integrante das Comissões Curatoriais que ele também é defensor. Admito um artista na gestão de políticas culturais como um ser complementar a criar e defender idéias que qualifiquem melhor nosso meio de arte, mas nunca delegar a um artista sem o devido aparelhamento as responsabilidades complexas que a gerencia cultural requer.
Vauluizo Bezerra